Elaborado
por WELLINGTON DOS SANTOS GONÇALVES, acadêmico do 10 período de Direito da
Unisulma.
O
IRDR (INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS) NO NOVO CPC REPRESENTA O
FIM DA AÇÂO CIVIL PÚBLICA?
Os direitos individuais
homogêneos podem ser tutelados tanto por meio do IRDR, como pelos métodos
clássicos do microssistema processual coletivo (a Lei de Ação Civil Pública - LACP
- e o Código de Defesa do Consumidor - CDC).
O
IRDR é previsto no Livro III, Título I, Capítulo VII do Novo Código de Processo
Civil. O artigo 977, incisos I e II, assim prevê:
É cabível a instauração do incidente de
resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I - efetiva repetição de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;
II - risco de ofensa à isonomia e à segurança
jurídica.
Pelo
anteriormente citado, o IRDR visa resguardar a isonomia e a segurança jurídica
em lides que contenham a mesma questão de direito. Segundo Marinoni, Arenhart e
Mitidiero (2015), verificou-se que os julgamentos diferentes de pessoas em uma
mesma situação jurídica é uma constante inconveniente no nosso ordenamento
jurídico.
A
depender do juízo, uma demanda, com a mesma questão de direito, pode ser
julgada procedente ou improcedente. Desse modo, a fim de evitar situações
discrepantes, o novo CPC institui o referido instituto.
Ressalta-se que o IRDR
incide quando há vários processos com a mesma questão unicamente de direito,
logo nem sempre cuida de violações de direitos individuais homogêneos, qual
seja as de origem comum.
Desse modo, o IRDR, quando
não tratar de violações de direitos individuais homogêneos, em nada contrastar
com a aplicação do microssistema processual coletivo, já que este não é
utilizado quando a demanda não tiver aspecto fático de natureza coletiva.
O IRDR é uma ficção
processual que, diante da controvérsia unicamente de direito, visa escolher a
tese jurídica a ser aplicada. Não há relevância se existe correlação fática
entre os titulares do direito controvertido.
Assim, o conflito de institutos
aqui analisado se restringe apenas as violações de direitos individuais
homogêneos, em que é possível a incidência dos dois institutos citados
(microssistema processual coletivo e IRDR), pois há controvérsia sobre questão
unicamente de direito (em que se aplicará a mesma tese jurídica) e a origem da
lesão é comum.
Em razão desse conflito de
institutos processuais, há quem questione, inclusive, se não seria o fim das
ações coletivas, como a Ação Civil Pública. Este não é o entendimento adotado
aqui.
Como
já explanado, o IRDR se presta a aplicação de uma tese jurídica, pelos
tribunais, em diversos processos. A tese fixada pode ser usada inclusive em
casos futuros. Trata-se, conforme a doutrina, de uma técnica individual de
repercussão coletiva, semelhante ao instituto da repercussão geral do recurso
extraordinário. No dizer de Rodrigues (2016, p. 625):
Por intermédio destas técnicas parte-se do
individual para o coletivo. O incidente de resolução de demandas repetitivas é
o modelo exemplar das técnicas individuais de repercussão coletiva. A
engenharia processual consiste em desconstruir a norma jurídica concreta
individual que esteja sendo debatida e multiplicada em diversos casos no poder
judiciário para, assim, isolar o fato da sua hipótese de incidência,
identificando a tese jurídica comum que se repete nas demais causas. Uma vez
decidida a tese jurídica, todos os casos individuais irão receber o mesmo
resultado daquele que já decidida.
Há
uma forte esperança que o IRDR possa amenizar os processos em massa que ensejam
morosidade para os julgamentos.
Ocorre
que a Ação Civil Pública é mais efetiva. E mais, os fins pretendidos pelo IRDR
são absorvidos por ela, no que se refere a tutela de direitos individuais
homogêneos. Ora, o julgamento isonômico que resguarda a segurança jurídica e
evita a multiplicidade de processos é plenamente realizado pelas Ações Civis
Públicas.
O IRDR,
segundo Mazzilli (2015), viola o direito fundamental do acesso à justiça. É que
a suspensão de todos os processos na área de jurisdição do respectivo tribunal
enseja ainda mais a morosidade das demandas.
Embora
o IRDR tenha que ser julgado no prazo de um ano, o novo CPC ressalva a
possibilidade do aumentado desse prazo, indefinidamente. Para isso, basta uma decisão
fundamentada do relator.
Na
tutela coletiva realizada por meio do microssistema processual coletivo, o
procedimento retromencionado acontece de forma mais benéfica ao jurisdicionado.
A instauração do IRDR nos processos de questão de direito comum, que suspendem
sua tramitação, é obrigatória; enquanto que por meio da tutela pelo microssistema
processual coletivo é facultativa.
O
Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 94 e 104, prever a suspensão
das demandas individuais, mas aqui é diferente.
Quando
há uma Ação Civil Pública em curso, é proporcionada sua ampla divulgação para
que os interessados, caso queiram, intervenham como litisconsortes. Intimado
nos autos de sua ação individual, o interessado tem o prazo de 30 dias para
dizer se quer ou não a suspensão de seu processo.
Caso
peça a suspensão dentro do prazo estabelecido, bastará que ele espere o
resultado da Ação Civil Pública, que somente terá efeitos para sua ação
individual no caso de procedência, ou seja, a Ação Civil Pública somente pode
beneficiar o interessado. Caso seja julga improcedente, o jurisdicionado
continua normalmente com sua ação individual. Esta sistemática visa evitar
situações desagradáveis àquele que tem ação individual em fase de execução ou
em tribunais superiores.
O
IRDR, pelo contrário, força a ação individual ser suspensa, pelo prazo
indeterminado, como é de praxe na morosa justiça brasileira.
Desse
modo, a aplicação do IRDR, de certa forma, acaba por violar a direito
fundamental de acesso à justiça (art. 5º, CF/88), pois se é dado ao indivíduo o
direito de iniciar uma ação judicial, é dado também o direito de prosseguir com
ela. Esse é o entendimento de Mazzilli
(2015, p. 198), em que diz:
Agora, com o novo CPC de 2015, teremos o
direito de propor a ação, mas não teremos o direito de vê-la prosseguir, porque
se houver um IRDR, nossa ação poderá ser ajuizada, mas não poderá andar até ser
julgado o incidente dentro do suposto prazo de um ano, prorrogável sine die por
decisão fundamentada do relator… Como fica o acesso à Justiça nesse ínterim,
prazo esse que pode não ser tão curto assim?… Ora, o acesso à jurisdição se não
for efetivo, não é garantia!
Outro
aspecto diferencial da tutela coletiva por meio do microssistema processual
coletivo, que torna mais viável o acesso à justiça, ao contrário do IRDR, é que
só a Ação Civil Pública permite a proteção coletiva de violações de direitos
que seriam ínfimas na perspectiva individual, mas se considerados globalmente
assumem significativa relevância social, como por exemplo, no caso de uma
fábrica vender água mineral com 100 ml a menos do que consta na embalagem.
Não
é conveniente propor uma ação individual pleiteando o ressarcimento material na
hipótese do exemplo citado. O custo do processo iria ser maior do que o pedido.
Com efeito, a tutela coletiva pelo IRDR no caso de ínfimas lesões individuais
nunca iria se efetivar, pois, como afirmado, ele só se aplica em processos
propostos, que no caso não iriam ser ajuizados.
Somente
a Ação Civil Pública se presta de forma efetiva para tutelar direito com
irrelevantes violações individuais, mas graves coletivamente.
Ademais,
mesmo no caso de violação individual economicamente relevante, vários
titulares, principalmente os hipossuficientes, ficariam sem tutela se existisse
apenas o IRDR. Uma efetiva tutela coletiva efetiva exige uma representação
adequada, por meio do Ministério Público, Defensoria Pública, entes voltados à defesa
de direitos transindividuais.
Acrescenta-se,
por fim, que só por meio do microssistema processual coletivo pode-se tutelar
direitos naturalmente coletivos, quais sejam os difusos e coletivos em sentido estrito.
REFERÊNCIAS
MAZZILLI, Hugo Nigro. I Ciclo de Palestras sobre o novo Código de
Processo Civil Promovido pela Associação Paulista do Ministério Público. 2015.
Disponível em:< http://www.mazzilli.com.br/pages/informa/pro_col_CPC_15.pdf>. Acesso
em 02 agosto 2016.
MARINONI, LuizG.; ARENHART,
Sérgio. ; MITIDIERO, Daniel. Curso de
Processo Civil. Vol. 2 São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2015.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Técnicas individuais de repercussão
coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão
extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais
homogêneos. In ZANETI JUNIOR, Hermes. Coleção repercussões do Novo CPC.
Vol. 8. Salvador: Juspodivm, 2016.