ANÁLISE DOS REQUISITOS E DAS CONDIÇÕES
DE ADMISSIBILIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NO ORDENAMENTO PROCESSUAL
PENAL BRASILEIRO
THIAGO
SILVA DA COSTA¹
RESUMO
O presente estudo aborda o
instituto da prisão preventiva sob o prisma da nova ordem constitucional
experimentada pelo Brasil desde a carta de 1988. Tal instituto vem gerando
polêmica em virtude da quantidade exacerbada de presos provisórios no sistema carcerário.
Trata-se aqui sobre não só da polissemia do texto legal sobre o requisito
“Ordem pública” e o perigo de seu uso indiscriminado como também sobre a
principiologia constitucional e sua harmonia com a prisão preventiva
PALAVRAS-CHAVE:
Prisão;
Preventiva; Constituição; Princípios.
ABSTRACT
The present
study approaches the institute of pre-trial detention under the prism of the
new constitutional order experienced by Brazil since a 1988 letter. Such an
institute has generated controversy because of the exacerbated amount of
prisoners it is not a prison system. This is about not only the polysemy of the
legal text on the requirement "Public order" and the danger of its
indiscriminate use but also on a constitutional principle and its harmony with
a preventive prison
KEY WORDS: Prison; Preventive; Constitution; Principles.
1.
A
LIBERDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Na Inglaterra do século XIII o desprestigio do monarca
João “Lockeland”, oriundo de uma série de fracassos administrativos, aumentou a
insatisfação dos barões e o desejo de uma limitação dos poderes do estado.
Das guerras travadas entre os descontentes
barões e a coroa inglesa surgiu um documento de incomparável valor para os
ordenamentos jurídicos vindouros, a Magna
Carta Libertatum. Tal documento
em sua cláusula 39 assegurava que:
Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma
propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma
destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser
por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra.
As profundas transformações socioeconômicas ocorridas no
século XVIII deram origem a um pensamento liberal-burguês que não mais se
ajustava as vontades arbitrárias dos estados absolutistas. Durante este
período, ideais que estavam sendo geradas a milhares de anos finalmente
eclodiram e tornaram-se predominantes nas esferas de poder das nações mais
influentes do mundo ocidental. Em 1789, a revolução francesa, movimento que
derrubou a monarquia no país, elegeu como lema de seu levante: “liberdade,
igualdade e fraternidade”.
A liberdade é classificada pela doutrina jurídica como
direito fundamental de primeira dimensão. Tal direito comporta uma imensa
quantidade de significados, de modo que é mais acertado referir-se a ele como
liberdades. Não obstante, o presente estudo preocupa-se em analisa-la em um
único aspecto - a liberdade ambulatorial - e as suas limitações.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
elegeu a liberdade como um direito fundamental. Desde o preâmbulo o texto da lei
fundamental preocupa-se em proteger a liberdade afirmando que o Estado
Democrático de Direito é destinado a assegurá-la. Em seu título II (intitulado
como “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), capítulo I, encontra-se o
louvado artigo 5°, que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade de vários direitos, e entre eles está a liberdade de ir
e vir.
2. A PRISÃO PREVENTIVA NA LEGISLAÇÃO
PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA
Malgrado o artigo. 5°, caput, assegurar o direito à liberdade, os textos encontrados nos
incisos LVII e LXI do presente dispositivo preveem o cerceamento da liberdade
ambulatorial desde que atendidos os requisitos elencados. Eis a redação dos
referidos incisos, respectivamente: “ninguém
será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal
condenatória”; “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita fundamentada de autoridade
competente [...]”.
A partir destes dispositivos, é possível inferir que o
ordenamento jurídico brasileiro admite dois tipos de prisão, a prisão pena e
prisão processual. A prisão pena é advinda da decisão judicial condenatória que
não caiba mais recurso; enquanto a prisão processual é aquela que ocorre durante
o transcurso do processo ou inquérito policial.
A prisão preventiva, disciplinada
nos arts. 311 – 316 do Decreto-Lei n° 3.689/41 (Código de Processo Penal), é
definida pelo professor Fernando da Costa Tourinho Filho como:
Providencia cautelar tomada
pelo juiz, de ofício, ou mediante representação da autoridade policial ou
requerimento do Ministério público ou do querelante, em qualquer fase do
inquérito policial ou instrução criminal, dês que haja prova do crime e
indícios suficientes de autoria e esteja presente uma das circunstâncias do
art. 312. (TOURINHO FILHO, 2012.p.839)
Por se tratar de
medida cautelar, a prisão preventiva deve ostentar o fumus
comissi delictus cujo conceito se dá pelo complexo formado
pela tipificação do ato praticado em lei penal de caráter proibitivo, e os
indícios suficientes de materialidade e autoria do delito;.e o periculum
in libertatis que se traduz na necessidade de manter
o sujeito em cárcere, pois, caso contrário, ele representará um risco real à
sociedade ou à devida instrução processual. Esses pressupostos são condições indispensáveis para a decretação da
prisão preventiva.
2.1.
PRESSUPOSTOS
PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
Por ser uma medida cautelar, a prisão preventiva depende
da verificação cumulativa de dois requisitos essenciais para ser decretada, são
eles: A prova do fato e os indícios suficientes de autoria.
A prova do fato ou a materialidade consiste na
convicção razoável de que o delito realmente ocorreu. Em se tratando de crimes
que deixam vestígio, o exame de corpo de delito é o instrumento adequado para
elucidar a existência ou não do crime.
Os indícios suficientes de materialidade e autoria
são as circunstâncias que indicam que determinado sujeito realmente praticou o
crime ao qual é investigado ou acusado.
2.2.
REQUISITOS
PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
O artigo 312 do Código de processo
penal elenca um rol de requisitos necessários para o arbitramento da prisão
preventiva. Como esta medida cautelar não é pena, só deverá ser decretada se
houver comprovada necessidade e estiver presente ao menos um dos seguintes requisitos:
a) Garantia da ordem pública ou econômica; b) Por conveniência da instrução
criminal; c) Para assegurar a aplicação da lei penal; d) Descumprimento de
medida cautelar diversa da prisão.
a) Garantia da ordem pública ou
econômica (CPP, art. 312 caput): Em preciosa lição, Vicente Grecco Filho
afirma que ordem pública não se confunde com interesse de muitas
pessoas e tampouco com clamor público. Segundo o autor, traduz-se como o
interesse de proteção de bens jurídicos (Manual de processo penal, capítulo X).De
Plácido e Silva, citados por Fernando da Costa Tourinho filho, afirmam que
ordem pública é: “O estado de legalidade normal em que as autoridades exercem
suas funções precípuas e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento
ou protesto” (Código de processo penal comentado. vol 1. p. 312). A garantia da ordem econômica
(CPP, art. 312 caput): Trata-se
do fim de coibir crimes contra a ordem tributária, o sistema financeiro e a
ordem econômica. Ensinam os professores Gonçalves e Reis que são os crimes do “colarinho
branco” que podem gerar grandes prejuízos para os acionistas da bolsa de
valores, as instituições financeiras e até mesmo aos órgãos do governo.
b) Para assegurar a aplicação
da lei penal (CPP, art. 312 caput): Requisito que se configura quando o acusado
fugiu dos limites territoriais da jurisdição ao qual responde judicialmente ou
apresenta indícios que irá se evadir da devida aplicação da lei penal. Ex: “O
acusado articula para comprar passagens aéreas para outros países”;
c) Por conveniência da
instrução criminal (CPP, art. 312 caput): Não obstante o artigo 312 do CPP trouxer a
palavra conveniência, a hermenêutica afinada com as aspirações da nova ordem
constitucional aponta para uma necessidade indispensável da instrução criminal.
Geralmente é decretada quando o autor do crime ameaça testemunhas ou induz
outras a deporem em seu favor; ou quando o réu está forjando ou destruindo
provas que poderiam lhe prejudicar. Estaria ele interferindo no perfeito
andamento da instrução criminal.
d) Descumprimento de medida
cautelar diversa da prisão (CPP, art. 312 parágrafo
único): Se o magistrado entender que as medidas cautelares
diversas da prisão (CPP art.319) se amoldam melhor a situação do indiciado ou
acusado e fixando-as os indivíduos não as tratar com o devido respeito,
descumprindo-as, poderá o julgador substitui-las pela prisão preventiva.
OBS: A fundamentação é um requisito
que embora não esteja presente no rol do artigo 312 do CPP encontra-se no art.
315 do mesmo diploma, e também é de vital importância para a decretação da
prisão preventiva. Ela deverá conter dados concretos sobre o fato e descrever
com precisão os motivos pelos quais o ato constritivo da liberdade está sendo determinado.
Gilmar Mendes, em seu livro “Estado de Direito e Jurisdição Constitucional”
narra que: “No HC 91.43524 (paciente Pedro Passos Júnior), reproduzido neste volume,
ressaltei a importância de ser devidamente fundamentada a autorização para a
prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), bem como a necessidade de
o juízo competente indicar e especificar, de modo circunstanciado, elementos
concretos a conferir base empírica para legitimar e fundamentar a medida
excepcional de constrição da liberdade.”
O diploma processual penal define os
requisitos comentados acima como determinantes para a determinação da prisão
preventiva, de modo que este rol é taxativo. Nesse sentido, consigna Vicente
Grecco Filho que: “Os motivos ou fundamentos da prisão preventiva, ainda que
contendo conceitos abertos ou amplos como o de ordem
pública, são
taxativos, de modo que a sua utilização fora das hipóteses legais é ilegítima,
ensejando o habeas corpus”.
2.3.
CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE
Segundo
o Art. 313 do CPP, são condições de admissibilidade:
I.
Nos
crimes dolosos apenados com privação de liberdade por mais de quatro anos:
Do inciso primeiro do artigo em comento é
possível concluir que os crimes cometidos a título de culpa não dão ensejo a
decretação da prisão preventiva.
II.
Reincidência
em outro crime doloso no prazo de 5 anos:
Se o réu for condenado por um crime qualquer
a uma pena inferior a quatro anos e vier a ameaçar testemunhas ou forjar
provas, ainda assim não poderá ser submetido à prisão preventiva. Não obstante,
se ele vier a ser condenado por outro crime na pendência dos 5 anos da última
condenação, independentemente do quantum
da nova pena poderá ser privado de sua liberdade mediante a preventiva se
verificados os requisitos do artigo 312 do CPP.
III.
Se o crime envolver violência doméstica e
familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência:
Tais medidas
tem previsão no art. 76, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, e no art. 22 da
Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Exs.: suspensão do direito à posse de
arma de fogo, afastamento do lar, proibição de aproximação da vítima, seus
familiares ou testemunhas, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
menores etc.
parágrafo
único: também será admitida prisão preventiva quando houver dúvida sobre a
indenidade civil da pessoa ou quando não fornecer elementos suficientes
esclarecê-la.
Os professores Reis e Gonçalves (2013) chamam
a atenção para o fato de que este dispositivo não se restringir a prática de
crimes dolosos. Em outras palavras, se um indivíduo comete um crime de maneira
culposa e não fornecer sua devida identificação ele poderá ser submetido à
prisão preventiva.
2.4.
CONDIÇÃO
DE INADIMISSIBILIDADE
Segundo o art. 314 do CPP se
o agente praticar o ato delituoso sob o manto das excludentes de ilicitude (previstas
no art. 23 do Código Penal, são elas: Legitima defesa, estado de necessidade,
exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal) o magistrado
não poderá arbitrar a prisão preventiva.
2.5.
REVOGAÇÃO
E NOVA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
Trata-se de decisão “rebus
sic standibus”, Segundo o art. 316 do diploma processual penal brasileiro, caso
cessem os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva o juiz deverá
relaxá-la. Contudo, uma vez revogada, a prisão preventiva poderá ser novamente
decreta se surgirem novamente as circunstâncias reprovadas pelo art. 312.
Para a revogação ou nova decretação o juiz deverá proferir sua decisão com a devida motivação.
Para a revogação ou nova decretação o juiz deverá proferir sua decisão com a devida motivação.
Gonçalves e Reis (2013) ensinam que a reforma introduzida
pela Lei n. 12.403/2011, nos crimes inafiançáveis em que o autor da infração
tenha sido preso em flagrante, o juiz, em regra, irá convertê-la em prisão preventiva,
pois os crimes que integram esse conceito normalmente são de extrema gravidade
concreta (latrocínios, estupros, extorsões mediante sequestro, homicídios
qualificados, tortura, tráfico de drogas etc.). Essa presunção de periculosidade, todavia, é relativa e
pode ceder diante de evidências do caso concreto no sentido de que o agente não
coloca em risco a ordem pública. Além disso, o juízo de gravidade deve ser
vinculado a algum fato concreto que desencadeie a prisão preventiva.
3.
CONCLUSÃO
A narrativa contida no
texto do presente estudo ressalta que a prisão preventiva é um instituto
indispensável par o processo penal. Contudo, o magistrado deverá resguardar a
sua decisão na perfeita subsunção das circunstâncias do caso concreto aos
dispositivos legais que regulam a aludida medida acautelatória. En passant, Em célebre ensinamento, preconiza
o Marquês de Beccaria: “O acusado não deve ser encarcerado senão na medida em
que for necessário para impedi-lo de fugir ou de ocultar as provas do crime”(BECCARIA,
apud TOURINHO FILHO. p.85. 2012).
A prisão preventiva não
pode representar uma antecipação da pena (como ocorria na Inglaterra e na
França antes do século XVIII) e não tem por fim a exemplaridade, esta é a
função da prisão pena.
Diante da adoção o
princípio da presunção de inocência pela Constituição federal, deverá o
magistrado somente decretar a prisão preventiva quando ela ostentar notório
caráter cautelar, com a devida observação dos fatos concretos e afastando-se
das suposições.
A prisão preventiva é
medida excepcional e deve ser mantida apenas quando devidamente amparada pelos
requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da não
culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida como
condenação.
Em epílogo, para que se
fixe um parâmetro razoável para a fixação ou denegação da prisão provisória, deve-se
observar a salutar lição de Lênio Luiz Streck, o qual prega “[...] que o
Direito tenha autoridade, que não seja corrigido por argumentos
políticos/morais e que sejam respeitados os limites semânticos, mormente os do
texto constitucional”.
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